sábado, 8 de dezembro de 2007

Um brinde

Eu não deveria ter trazido essa caneta. O lápis ficou em casa, não posso apagar essas linhas e estranho muito minha letra. A paisagem é mágica. Os sons são esperados e descontínuos. O pulsar do coração também. Descalça, de ombros curvados e com calor (atenuado pelo vento tímido que dança nas minhas costas). Eu não podia ficar em casa. Lá só encontraria desvantagens sufocantes. A luminosidade me agrada e descubro exatamente nesse instante que o sol traiçoeiro resolveu brilhar demais. Meus olhos sofrem. O corpo todo pulsa dor e desconforto.
Pausa.
É extremamente revoltante o fato de eu não conseguir mudar no momento em que mais preciso. E agora, às vésperas do fim do ano (!) é a época exta, propícia, para repensar pela 537º vez as minhas atitudes e características mais notáveis.Uma moça baixinha veio me perguntar se eu me incomodaria em aparecer na TV.Um VT de fim de ano. Tentativa de captar uma espontaneidade absurdamente calculada. Sinto-me observada e o homem com a câmera aponta pra mim.. (Eles conversam baixinho, discutindo o ângulo de filmagem mais adequado.) Meu nariz aparecerá colossal e meus dedos do pé estarão à mostra.
Pausa.
Filmagem finalizada. Será que eu ainda me lembro de discutir o interior? O mundo externo me chacoalha e hipnotiza um eu-lírico já bastante perturbado.
Que perfume gostoso essa agenda tem!
Cheiro de bebê. De passado.
Acho que a reflexão está louca pra sair e discursar num caixote velho para uma platéia de um só ninguém.
Preciso escolher entre a autenticidade íntima ou a que gosta de se revelar.
Parece que mudei muito sempre sendo a mesma.
Eu me distraio tão rápido em situações de gritos e tremeliques, guardo coisas (exclusivamente minhas, deveras banais), permaneço insegura e nada independente, falo demais em momento incertos, fico tímida e na redoma de poucos amigos e me calo.Sou grosseira. Penso demais em mim.
Eu queria ganhar de presente uma Belle graciosa e comunicativa. Atenta, paciente, OTIMISTA, partidária do Segredo.
16:46.
Tenho sede e preciso de um banho. Queria menos apatia.
O frio e o calor nunca foram tão semelhantes... Se me envolvo num transe de rotina, no modo automático, e me importo tão pouco com o mundo alheio, como posso guardar um fúria cor de rubi que desmonta o castelo de gelo e se desmancha logo em seguida?
Sou quente, fria, quente, fria.
E tudo é concomitante.
Será mesmo difícil de toda essa dubialidade me desvencilhar?
É preciso. 2008 quer chegar com pressa e o eixo de felicidade e método pretende se estabilizar.
Brindar comigo à properidade - ao equilíbrio.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Noticiário pitoresco

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Estranho seqüestro de Dercy Gonçalves

Às vésperas de completar 129 anos, Dercy Gonçalves ainda está desaparecida.A sorridente comediante foi surpreendida em sua própria residência enquanto sua acompanhante tomava banho e o porteiro assistia ao jogo Brasil x Argentina. O nome da seqüestradora ainda não é sabido, mas as câmeras do circuito interno revelam uma senhora de cabelos grisalhos com uma inconfundível tatuagem na perna esquerda.Dercy está há suas semanas presa, e o pedido de resgate não é nada simplório: 10 mil reais em dinheiro vivo. Como Dercy não possui muitos familiares, é bastante provável que a seqüestradora misteriosa não tolere muito tempo e faça logo o serviço que Deus tanto demorou a executar.

**
Jovens de 17 anos provocam reboliço no Palácio da Algazarra

Estudantes de um renomado colégio católico de Brasília organizaram um protesto contra o sistema de cotas. Ontem, esses jovens conseguiram, de fato, chamar atenção. Após tapearem seus professores, escaparam das aulas e utilizaram o carro do diretor da escola Sr. Gumercílvio Silva, para chegarem ao Palácio. Pequenos porcos de pelúcia e rolos de papel higiênico usados foram arremessados em direção ao gramado. O organizador do protesto foi o estudante Bernardo Peixoto, que acaba de ser expulso do colégio. Por conta de vandalismo e furto de automóvel, os sete estudantes serão interrogados e conversarão com o Ministro da Educação, Sr. Analfabelardo Pinto. Os porcos de pelúcia foram recolhidos e devidamente doados a orfanatos das cidades satélite.

***
Trabalho de grupo da sexta série, por aí. Textos by me. Hahaha!

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Victoria's Secret

O segredo de Victoria
Ninguém ousa desvendar.
O misterioso mundo rosa
Não se abala, só pensa em recrutar
Criaturas bobas, verdinhas, que há pouco pulsam
E desejam a existência
Preciosa

Esse segredo fascina os olhos das meninas
Atrai, sugere com brilhos mil
Um perfume artificial de cereja
Insinua uma estética vil,
Suposta forma de expressão.
Porém, fez-se mister
Uma produção em série alucinada
De bonequinhas de luxo vão

O segredo de Victoria é só mais um
Entre os artifícios e brinquedinhos assaz envolventes
Que seduzem e sugerem que isto é melhor que aquilo
O que deve ou não ser consumido
Apenas por conta de graciosos títulos

Por que valorizar somente
O impecável-especial-caro-demais?
Essa mania afoga, assopra
A chama morna e tímida
Que ainda acredita na diva escondida
Por trás de tanta pompa e quero-mais.

sábado, 10 de novembro de 2007

Inimiga do pensamento

Nunca se envolva com uma pessoa que já te deu motivos suficientes para se afastar. Essa e outras frases se repetiam diversas vezes na minha cabeça quando eu não deveria estar raciocinando.
A ação é inimiga do pensamento. Outra afirmação se reunia às dezenas de frases prontas ou elaboradas por mim mesmo. Mas essa última era e sempre será um lema, uma lei, uma constante e algo que me determina, me define. A agitação da minha vida é facilmente explicada como um escape frustrado para que eu não possa me frustrar. Aja, corra, se movimente, trabalhe, dance, desenhe.
Tudo para não pensar. Tudo para fugir da reflexão, do tédio que é analisar pessoas e atitudes das mesmas. Qualquer coisa para fugir de filosofias baratas, de constatações inúteis sobre a existência, de conclusões errantes sobre a vida, tornando-a assim, banal e mundanamente desinteressante. Não pense, não pense. Faça. Não sonhe, seja.
Escolha algum esporte e pratique-o fervorosamente, nade, beba, coma, compre. Mas principalmente, corra, desenhe e fotografe. Esses pensamentos freqüentes, e para mim, bastante naturais, me invadiram enquanto eu vasculhava minha carteira a procura de alguns trocados. E ao invés de encontrá-los, o que vi foi uma foto sua.
Você sorria com naturalidade e eternizava um momento único e só vivido uma vez, como toda e qualquer experiência da vida. Era o seu aniversário de 20 anos. Eu estava atrás da câmera. Seu ex namorado. Seu ex qualquer coisa. Antes de poder sentir qualquer sinal nostálgico, fechei a carteira com agressividade, sentindo-me patético. O trocador do ônibus ainda me encarava com ar de reprovação e não parecia disposto a esperar mais do que três segundos.
Enfiei a mão no bolso e finalmente achei o dinheiro. Sentei-me no banco alto do ônibus (o que você mais gostava) e me lembrei de nosso aniversário de namoro. Estávamos discutindo e você, levemente alterada por goles de vinho barato, acenou para o primeiro ônibus que passou e se despediu com palavras grosseiras. Eu te segui e nos sentamos no banco alto. Você me olhou e sorriu. Já estávamos de bem.
Um ruído longínquo visitou meus ouvidos quando uma senhora obesa puxou a cordinha do ônibus. Despertando do meu doce devaneio, comecei a sentir pena de mim mesmo. Mas não sei se era exatamente pena. Parecia mais arrependimento. Um vestígio de saudade, um sentimento reprimido forçosamente por atividades que eu impunha a mim mesmo. Um sentimento mal resolvido, sobretudo.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Estacionamento

Viajando no mesmo lugar
Hospedada em albergues de mesmo chão
Não escuto outras vozes
Apesar de tentar

Semeio dúvida e colho constância estacionada
Repetição, ciclo, rotina que almeja aventura
Porém, miúda,
Permanece calada

Trilho trajetórias distintas
Numa mesma estrada delimitada
Com o caminho de pedras velhas que (em vão)
Insistem em questionar
A minha viagem no mesmo lugar

Não sei se me rendo
Às tentações de me soltar
Do antigo viver de um só tom acostumado

Deveria temer em arriscar
Meu mundo são
Estacionado?

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Despediram-se rápido

Primeiro post!
Dedico esse blog a toda criatividade que suspirar nos meus ouvidos palavras e textos que me façam sentir qualquer coisa. Dedicoo blog com o sólido objetivo de me dedicar e não abdicar das vontades aleatórias de escrever ou digitar. Dedico a mim, a você; aos poucos que conhecerão esse lugarzinho no meio do buraco negro de caracteres.
*
Despediram-se rápido. Os olhares encararam os pés um do outro. A timidez incoerente com o contexto finalizou a demorada visita. Ela o deixou sem sorrir, só esboçando uma atitude relativamente satisfeita. Ele não quis transparecer a sensação de quase abandono que o fim do encontro trazia, então suspirou um murmúrio de adeus contido.
Isabella se afastou. Deixou, confusa, o edifício comercial. As pernas trêmulas denunciavam a miscelânea de emoções. Havia tido um bom desempenho? Representara bem o seu papel? Estariam satisfatórias sua aparência, suas roupas novas e seu charme ensaiado? E assim, errante, caminhou na calçada apinhada de um bairro distante de casa.
Eduardo finalmente sorriu. Aliviou-se por interromper o disfarce de homem distinto e preparou um café. A sala de escritório febrilmente organizada já não gozava com a presença dela – a da mulher atraente e decidida, que deixara ali seu perfume barato, porém, envolvente. Tomou o café, sentou-se e emitiu um brilho indefinível no olhar.
Ela entrou no carro, implorou para que funcionasse e pôde partir para o lado oposto da cidade. Todo o luxo encantou a mulher duas - caras que agora dirigia com pressa. A sala, os elevadores modernos, os sorrisos com muitos dentes das pessoas que ali trabalhavam. E, principalmente, o homem com quem havia passado proveitosos sessenta minutos. A tarde impôs sua despedida e as sombras cobriram a cidade.
Ele fitou o relógio de pulso e, subitamente, levantou-se da poltrona cruelmente confortável. Não percebeu os quinze minutos fugirem de seu controle ao entornar o café fraco e divagar a respeito de Isabella. Indagou-se se ela não seria perfeita e analisou o encontro dos dois. Cada gesto, palavra, olhar. Talvez representassem algo. Ele só não sabia o quê.
Enquanto ela se enfurnava no trânsito mal humorado de sexta, um homem mal vestido, sentado num táxi atrás do carro de Isabella, bocejava um cansaço da noite mal dormida. Nenhum carro se movia na Avenida Rio Branco. Pedro coçou a barba farta e pediu inutilmente para que o taxista andasse mais rápido. O homem olhou o outro pelo retrovisor, exibindo reprovação pelo pedido e pela aparência desprezível de Pedro. Como um homem daqueles poderia pagar mais de 30 reais por uma corrida de táxi e, ao mesmo tempo, andar como um lunático que parou no tempo?
Após buzinar e mascar três chicletes, Isabella abandonou o estresse do trânsito. Chegou à rua da vila onde morava, estacionou o carro no lugar de sempre. Entrou na casa cor de pêssego, trancou a porta e suspirou. Um dia aparentemente proveitoso. Continuou insegura quanto a sua performance no escritório de Eduardo (como ela o deveria chamar?), mas decidiu tomar banho e esperar algum telefonema. Amanhã? Daqui a duas semanas?
Pedro se aproximou da Tijuca e tateou os bolsos à procura de 42 reais. Para ele, o dinheiro não lhe faria a menor diferença. Sempre preferira gastar mais com táxis a compartilhar assentos com estranhos em grandes carros balançantes. Pagou, andou o resto da rua tranqüila e chegou à vila de número 115. As doze casas apresentavam tons claros e a sua era colorida de verde-limão. A casinha cor de pêssego, que agora mostrava luzes acesas, ficava à esquerda da azul, a qual se situava exatamente na frente da de Pedro. Ele caminhou até a casa verde, abriu a porta e olhou de relance a casa que chamava de “meu pêssego.”
*